Despedi-me em Agosto do ano passado para fazer uma pausa sabática, já com a ideia de, a certa altura, partir em viagem para a Austrália. Nos meses seguintes, fui adiando a viagem e só tomei a decisão definitiva, isto é, comprei os bilhetes de ida, no final de Dezembro.
E o que é que estava a acontecer em Dezembro e Janeiro na Austrália? Os terríveis incêndios que viriam a devastar milhões de hectares daquele lindo país.
Assim, quando comecei a divulgar que partiria em breve para a Austrália, a reacção mais frequente que recebia era algo como: “A sério? Com estes incêndios?”
Senti-me um pouco tonta por ter adiado tanto a viagem (e mal sabia eu que ainda ia ter de lidar com a pandemia causada pelo nosso amigo Coronavírus). Mas recorri às minhas memórias.

Em Outubro de 2015, tinha planeado visitar a Turquia pela segunda vez. Ia participar numa conferência profissional e tinha programado uma semana de férias antes da conferência, para visitar Ancara e outras localidades que ainda não conhecia. Era suposto aterrar na capital turca numa quarta-feira à noite. No fim-de-semana anterior, houve um atentado terrorista na cidade.
Naturalmente, fiquei preocupada e ponderei cancelar a visita a Ancara e até a ida à Turquia. Mas optei por, primeiro, me manter atenta aos noticiários e tentar perceber se este teria sido um ataque isolado ou algo ainda mais perigoso.

Não tendo havido mais nenhum atentado, decidi arriscar e manter o meu plano inicial. Na pior da hipóteses, se não me sentisse segura, sairia de Ancara imediatamente.
O facto de a Turquia ser um destino turístico muito popular e um país mais desenvolvido do que por vezes pensamos, deu-me alguma confiança.
Aterrei em Ancara na data prevista e senti-me sempre segura. A segurança, que nos aeroportos turcos já é habitualmente mais musculada do que nos nossos, tinha sido reforçada e até havia controlos com detectores de metais à entrada das estações de metro. Durante a minha estadia em Ancara, acabei por passar por acaso pelo local do atentado, onde estava um memorial em honra das vítimas e, mesmo aí, senti-me segura.
Reconheço que poderei parecer temerária, mas diria que o sou com moderação. Nesse sentido, antes de partir para Ancara, tentei perceber que cuidados deveria ter enquanto turista. O conselho principal era evitar aglomerações e manifestações.
Ora, este foi um conselho que não segui plenamente. O primeiro local que visitei em Ancara foi o imponente mausoléu de Atatürk, o fundador da Turquia moderna. Estava já eu dentro do recinto, a caminho do mausoléu propriamente dito, quando começo a ver autocarros e autocarros a despejar pessoas no centro do complexo. Todas a empunhar bandeiras da Turquia! Entrei em pânico! Estaria no meio de uma manifestação política? Se eu fosse terrorista, aquele seria um óptimo local para atacar.
Pensei dar meia-volta e fugir dali a sete pés. Mas prestei atenção a quem me rodeava: muitas crianças, adolescentes e idosos. E tentei perceber o contexto daquele ajuntamento. Após várias tentativas (a barreira linguística dificultou o processo), lá percebi que era habitual grupos escolares e de seniores visitarem o mausoléu. As bandeiras eram apenas reflexo do patriotismo e alegria dos visitantes e não se enquadravam em qualquer acto político ou manifestação. Respirei de alívio e continuei a visita.
Sei que tive sorte e que foi arriscado manter o plano de visitar a Turquia e, mais especificamente, Ancara, mas fiquei contente por ter conhecido esta cidade tão interessante e ter apoiado este povo tão gentil e acolhedor.
Assim, quando fui colocada perante o cenário de ser perigoso ou um desperdício de tempo e dinheiro visitar a Austrália no início do ano, recordei-me de que a vida em Ancara parecia seguir o seu curso normal. Nessa altura, se não tivesse tido conhecimento do atentado, nem me teria apercebido de que esse acto hediondo tinha sido cometido dias antes.

Sinto que, nos noticiários, há tendência para atribuir à totalidade do país uma situação de catástrofe ou insegurança que é, frequentemente, localizada.
Com isto, não pretendo desvalorizar o impacto do atentado em Ancara em Outubro de 2015 ou dos incêndios australianos do Verão de 2019/20, ambos eventos devastadores para todas as pessoas envolvidas.
Mas diria que se pode estabelecer um paralelo com a forma como foi noticiada no estrangeiro a tragédia dos incêndios de 2017 no nosso país, que pode ter criado a impressão de que a maioria do território estava em chamas. Ora, apesar do horror que todos sentimos, a generalidade da população continuou com as suas vidas.
O governo australiano, naquela que me parece ser a sua eficiência habitual, tinha já criado um site onde divulgava o nível de perturbação causado pelos incêndios nos vários pontos do país. Nas semanas seguintes à compra dos bilhetes de avião, fui vendo, com alívio, os vários semáforos tornarem-se verdes.
Durante a minha estadia, apenas notei o efeito dos incêndios por duas vezes.
A primeira foi aquando da excursão ao Pinnacles Desert, em Western Australia, durante a paragem no Yanchep National Park. O nosso guia chamou-nos a atenção para uma secção de mato queimada e, pelo que li, houve danos materiais na povoação. A segunda vez que vi terra queimada foi em Kangaroo Island, em South Australia. A última paragem do dia foi na lindíssima Vivonne Bay, onde a vegetação estava calcinada. Felizmente, em ambos os locais, já se viam ramos verdes a despontar entre as cinzas.
Koala a dormir a sesta no Yanchep National Park A lindíssima Vivonne Bay
Por outro lado, em Kangaroo Island, percebi que o fogo é considerado um aliado pela população, pois ajuda à regeneração da floresta. E esta, hein? Infelizmente, dadas as condições meteorológicas durante o Verão austral de 2019/20, os incêndios atingiram proporções prejudiciais.
Não se inibam de visitar este país incrível por este motivo! Assim o Senhor Coronavírus no-lo permita.